segunda-feira, 5 de abril de 2010

Registro de desenho de sócio não é da empresa

Uma recente decisão do STJ (veja aqui) põe em cheque toda a questão da propriedade sobre invenções desenvolvidas no curso de relações de emprego e contratuais. Segundo entendimento do Tribunal de Justiça do Paraná e confirmada pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, o Desenho Industrial desenvolvido por pessoa física enquanto contratado por uma empresa pertence exclusivamente a ele, porque ele efetuou o registro em seu nome perante o INPI. Segundo o relator do processo, o ministro João Otávio de Noronha sobre a alegada violação aos artigos 91 e 92 da Lei 9.279/96, ressaltou que os dispositivos dirigem-se expressamente à relação empregatícia mantida entre empregado e empregador, não podendo ser feita interpretação extensiva de modo a incluir também o sócio.

Este entendimento nos leva no mínimo a refletir sobre a questão da relação contratual estipulada entre as partes para o desenvolvimento de projetos que possam gerar resultados passiveis de proteção / registro.

Segundo a Lei de Propriedade Industrial brasileira em seus artigos 88 caput e § 1º e 2º, 90 e 91 a regra é:

Art. 88 - A invenção e o modelo de utilidade pertencem exclusivamente ao empregador quando decorrerem de contrato de trabalho cuja execução ocorra no Brasil e que tenha por objeto a pesquisa ou a atividade inventiva, ou resulte esta da natureza dos serviços para os quais foi o empregado contratado.

Parágrafo 1o.- Salvo expressa disposição contratual em contrário, a retribuição pelo trabalho a que se refere este artigo limita-se ao salário ajustado.

Parágrafo 2o.- Salvo prova em contrário, consideram-se desenvolvidos na vigência do contrato a invenção ou o modelo de utilidade, cuja patente seja requerida pelo empregado ate 1 (um) ano após a extinção do vínculo empregatício.

Art. 90 - Pertencerá exclusivamente ao empregado a invenção ou o modelo de utilidade por ele desenvolvido, desde que desvinculado do contrato de trabalho e não decorrente da utilização de recursos, meios, dados, materiais, instalações ou equipamentos do empregador.

Art. 91 - A propriedade de invenção ou de modelo de utilidade será comum, em partes iguais, quando resultar da contribuição pessoal do empregado e de recursos, dados, meios, materiais, instalações ou equipamentos do empregador, ressalvada expressa disposição contratual em contrário.


Diante do disposto na legislação, alguns itens são essências para determinar a quem efetivamente pertence a propriedade, ou seja, o direito de obter a titularidade sobre o objeto protegido:

- Como e em que condições foi desenvolvido o projeto?

- O que diz o instrumento contratual que vincula a pessoa física que desenvolveu o projeto e a empresa contratante?

- Para que função/ cargo a pessoa física foi contratada?

- É aceitável a aplicação de uma interpretação por analogia em casos de propriedade intelectual?

A interpretação mais restritiva do artigo 88 da LPI diz que quando o objeto a ser protegido foi desenvolvido pelo empregado no exercício de suas funções habituais na empresa e durante seu horário habitual de trabalho, pertence exclusivamente ao empregador o direito de registrar tal criação.

Deste artigo surge a seguinte pergunta: qual a abrangência pretendia dar o legislador ao estabelecer esta norma? Qual o alcance do termo “empregado” no contexto de um caso concreto em que surgem questões muito mais amplas, como a que coloca-se em discussão em função da decisão do Tribunal do Paraná. A expressão “empregado” pode ser equiparada a sócio, estagiário, prestador de serviços, profissionais autônomos?

De acordo com o artigo 92 da LPI, o termo empregado não é restrito ao vínculo empregatício, relação empregado-empregador propriamente dita, pois, equipara a relação aos contratos entre empresas, no qual, o vinculo não é empregatício, mas sim, negocial. O artigo 93 traz ainda os casos de contratos firmados entre instituições públicas, reforçando a idéia de que o tipo de vínculo não é o fator determinante, mas sim, as condições em que foi desenvolvida a criação:

Art. 92 - O disposto nos artigos anteriores aplica-se, no que couber, às relações entre o trabalhador autônomo ou o estagiário e a empresa contratante e entre empresas contratantes e contratadas.

Art. 93 - Aplica-se o disposto neste Capítulo, no que couber, às entidades da Administração Pública, direta, indireta e fundacional, federal, estadual ou municipal.



Neste sentido, o segundo aspecto importante constante no artigo e a meu ver o principal determinante para a questão da propriedade é a segunda parte do artigo 88: “contrato de trabalho cuja execução ocorra no Brasil e que tenha por objeto a pesquisa ou a atividade inventiva, ou resulte esta da natureza dos serviços para os quais foi o empregado contratado”.

Resta claro que independente do vínculo qualquer trabalho ou serviço cujo resultado obtido seja passível de proteção por direitos de propriedade intelectual cujo prestador do serviço tenha sido contratado para fins de pesquisa, desenvolvimento ou atividades desta natureza, se enquadram nesta situação: pertence ao contratante o direito de titularidade sobre o resultado obtido.

Sob esta ótica, no caso de uma sociedade empresarial, que possui um objeto social determinado, não parece razoável que, caso um dos sócios, que tenha dentro de suas atribuições na sociedade a contribuição intelectual no desenvolvimento de produtos, processos ou afins, relacionados diretamente ao objeto social da empresa, que qualquer desenvolvimento ocorrido nestas condições pertença à empresa?

Diria que transcende a questão de direito de propriedade e passa a ser inclusive uma questão ética, pois, o conceito básico de sociedade, independente do seu foco é “a união de esforços para a obtenção de um objetivo comum”. Assim sendo, não seria tácito o compromisso de todos os sócios que integram uma sociedade em buscar seu bem maior, de acordo com o objetivo social?

Na relação empregado-empregador ou contratante-prestador de serviços, este raciocínio nos parece mais claro, pois, há um contrato no qual cada parte entra com sua contribuição seja ela financeira (empregador / contratante) ou intelectual (empregado / prestador de serviço). Aquele que cria já recebeu ou recebe uma retribuição econômica pelo resultado de seu trabalho. Note-se que não estamos falando no aspecto moral, apenas patrimonial desta relação.

Quando há um contrato de serviços, independente do vínculo, no qual consta a função e obrigação de cada uma das partes é mais fácil identificar a questão da propriedade sobre os resultados, que é o fator determinante para esta constatação.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça a meu ver é polêmica, pois, abre precedentes para o questionamento que vai muito além da discussão de a quem pertence a titularidade, ingressando na esfera moral, ética de até que ponto o direito de um sócio se sobrepõe ao objetivo social da empresa da qual faz parte.

Sheila da Silva Peixoto

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